A
HISTÓRIA DO LÁPIS
O
menino olhava a avó escrevendo uma carta. A certa altura, perguntou:
Você
está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E por acaso, é uma história
sobre mim? A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto:
Estou
escrevendo sobre você; é verdade. Entretanto, mais importante do que as
palavras, é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele, quando
crescesse.
O
menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial. Mas ele é
igual a todos os lápis que vi em minha vida!
Tudo
depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele que, se você
conseguir mantê-las, será sempre uma pessoa em paz com o mundo.
"Primeira
qualidade: você pode fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que
existe uma MÃO que guia seus passos. Esta mão nós chamamos de Deus, e ele deve
sempre conduzi-lo em direção à sua vontade".
"Segunda
qualidade: de vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo, e usar o
apontador. Isso faz com que o lápis sofra um pouco, mas no final, ele está mais
afiado. Portanto, saiba suportar algumas dores, porque elas o farão ser uma
pessoa melhor".
"Terceira
qualidade: o lápis sempre permite que usemos uma borracha para apagar aquilo
que estava errado. Entenda que corrigir uma coisa que fizemos não é necessariamente
algo mau, mas algo importante para nos manter no caminho da justiça”.
"Quarta
qualidade: o que realmente importa no lápis não é a madeira ou sua forma
exterior, mas o grafite que está dentro. Portanto, sempre cuide daquilo que
acontece dentro de você".
"Finalmente,
a quinta qualidade do lápis: ele sempre deixa uma marca. Da mesma maneira,
saiba que tudo que você fizer na vida, irá deixar traços, e procure ser
consciente de cada ação".
Paulo Coelho
Tempo
bom na escola
Assim, quando fiz sete anos, vó
Luzia me apontou e disse:
- Ta na hora dele entrar na
escola.
Minha mãe vendeu o guarda-comida,
comprou cartilha, caderno, lápis e tudo mais, pano para duas camisas brancas,
para a calça azul; só faltou o calçado. Não fez diferença, quase todos os
meninos iam de pé no chão.
A escola era uma sala ao lado da
máquina de beneficiar café, trinta carteiras, a escrivaninha da professora e um
quadro-negro que tomava a parede inteira. Dona Carolina vinha da cidade para
dar aulas, na charrete da fazenda que às quatro horas a levava de volta, trazia
os jornais da fazenda e a correspondência do patrão.
O filho do campeiro, moleque
encapetado, logo inventou de chamar dona Carolina de “dona Creolina”. Como o
nome dele era Raimundo ela botou nele o apelido de Viramundo; daí ele parou com
aquela besteira.
Para mim a escola foi um tempo
bom; eu pensava “enquanto estiver aqui não tem perigo de me mandarem pra roça”.
Enchi cadernos e mais cadernos; eu apreciava ver as letras saírem redondinhas
do meu lápis:
- Professora, e quando acabar a
cartilha?
- Quando acabar a cartilha você
já saberá ler.
- Vou poder ler gibi? Histórias
em quadrinhos?
- Vai.
- O caso é que não tenho dinheiro
para comprar.
Toda a classe riu; a professora
também:
- Então, todo dia em que ler
corretamente, trago uma dessas revistinhas para você.
- Verdade? Promete mesmo?
- Prometo.
Foi um tempo bom o da escola;
apesar da palavra “carestia” sempre presente nas prosas dos mais velhos, fosse
na casa do vizinho, fosse na nossa.
Acabei o primeiro ano, fiz o
segundo e quando estava pra lá do meio do terceiro, em setembro, com as chuvas
e o começo das plantações, uma noite, depois de muito cochichar com vó Luzia e
a mãe mais triste, vô Juvenal tocou no meu braço e, quando olhei, ele disse:
- Neguito, amanhã cedo você vai
com nós para a roça. A carestia... a carestia vai obrigar você a trabalhar com
a gente... Tenho muita pena, meu filho, mas acabou-se a folgança da escola...
Sentado no degrau da cozinha, o
prato de arroz com feijão sobre os joelhos, senti um nó na garganta, uma
revolta que brotava do coração, queria arrebentar em soluços.
Do outro lado, na casa do
vizinho, seu Venerando criou coragem, disse para o filho menor, meu colega na
escola:
- Você também, Zezinho, amanhã
começa a trabalhar na enxada.
Do lado de cá até que me senti
melhor: “não estou sozinho na minha tristeza”. Olhei para minha avó, na beira
do fogão – coava um café ralo – a mãe a chorar na porta da sala e o avô ali em
pé, como à espera de uma palavra amiga.
- Não tem problema, vô. Não tem
problema... Respondi, enquanto que o meu peito parecia crescer cheio de
responsabilidade.
Adaptado de Lucília Junqueira de
Prado. De sol a sol.
Belo Horizonte, Comunicação,
1980.
AULA
DE LEITURA
Ricardo Azevedo
A
leitura é muito mais
do que decifrar palavras
Quem quiser parar pra ver
pode até se surpreender
do que decifrar palavras
Quem quiser parar pra ver
pode até se surpreender
vai
ler nas folhas do chão
se é outono ou verão;
se é outono ou verão;
nas
ondas soltas do mar
se é hora de navegar;
se é hora de navegar;
e no
jeito da pessoa
se trabalha ou se é à-toa
se trabalha ou se é à-toa
na
cara do lutador,
quando está sentindo dor;
quando está sentindo dor;
vai
ler na casa de alguém
o gosto que o dono tem;
o gosto que o dono tem;
e no
pêlo do cachorro,
se é melhor gritar socorro;
se é melhor gritar socorro;
e na
cinza da fumaça,
o tamanho da desgraça;
o tamanho da desgraça;
e no
tom que sopra o vento,
se corre o barco ou se vai lento;
se corre o barco ou se vai lento;
e
também no calor da fruta,
e no cheiro da comida,
e no cheiro da comida,
e no
ronco do motor,
e nos dentes do cavalo,
e nos dentes do cavalo,
e na
pele da pessoa,
e no brilho do sorriso,
e no brilho do sorriso,
vai
ler nas nuvens no céu,
vai ler na palma da mão,
vai ler na palma da mão,
vai
ler até nas estrelas,
e no som do coração.
e no som do coração.
Uma
arte que dá medo
é a de ler um olhar,
é a de ler um olhar,
pois
os olhos tem segredos
difíceis de decifrar.
difíceis de decifrar.
Continho
Era uma vez um menino triste, magro e
barrigudinho. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do
caminho, imaginando bobagem, quando passou um vigário a cavalo.
— Você, aí, menino, para onde vai essa
estrada?
— Ela não vai não: nós é que vamos nela.
— Engraçadinho duma figa! Como você se
chama?
— Eu não me chamo, não, os outros é que
me chamam de Zé.
MENDES CAMPOS, Paulo, Para gostar de ler -
Crônicas. São Paulo: Ática, 1996, v. 1 p. 76.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário: