Telefone, um inimigo necessário
Estar disponível significa perder graus de liberdade,
mas, ao mesmo tempo, ganhar em acessibilidade.
Na vida nossa de cada dia, muitos tornam o número de
telefone acessível, nem sempre com disposição para atender as exigências que
disso decorrem. Existe aí uma responsabilidade em relação ao "outro".
Se eu dou meu número para alguém, estou anunciando que sou acessível.
No tempo em que existia lista telefônica, isso poderia
ser discutível, pois os números ficavam públicos de certa forma, por lei. Mas,
hoje, meu número de celular não está em lista oficial nenhuma, só é acessível
se eu der. A partir daí, torno-me responsável por atendê-lo. O processo
funciona em mão dupla. Quando ligo para alguém, imagino que vá me atender
-senão, por que teria me dado seu número?
A relação com a telefonia é uma escolha pessoal. Há
quem ama falar, há quem é lacônico. Seja como for, tornar-se acessível
significa perder graus de liberdade e, ao mesmo tempo, ganhar em
acessibilidade.
O telefone me torna pública, mas também pode preservar
minha privacidade. Para me garantir e me defender, posso usar a secretária
eletrônica ou o bina, aliás, inventado e patenteado por um brasileiro.
Tudo isso é muito recente. Há cinquenta anos, o
telefone era uma raridade reservada para pessoas da classe A. A linha era
comprada a preço de ouro. Muitas lojas não tinham mais do que um aparelho
-muitas vezes com cadeado; outras, com cadeado só das 13h às 15h, quando
ilegalmente recebiam o resultado do jogo do bicho -não disponível para
fregueses.
E, então, um dia, privatizaram a companhia telefônica,
e a cidade foi inundada por telefones. Logo depois chegaram os celulares, que
invadiram definitivamente nossa vida.
Tudo isso transformou as relações interpessoais de
maneira avassaladora. Não atender o celular pode ser visto quase como um
estelionato. Você está privando o outro do acesso a você -que você prometeu
quando deu o número.
O celular foi uma revolução tão grande quanto a
difusão do telefone fixo. Se ligo para o fixo de alguém que não me atende, só
sei que a pessoa não está lá. Mas, com o celular, temos que aprender a mentir
melhor. Vamos desenvolvendo jeitinhos. Se fulano não me atende, ligo de um
número que ele não conhece e descubro se não está lá ou se não quer me atender.
Inventamos o bina e depois inventamos jeitinhos para driblá-lo.
A barreira da invisibilidade ainda não foi vencida. Se
é meu amigo ou meu inimigo, não sou capaz de distinguir antes de atender e
ouvir a voz. Só depois de atender, o enigma se desfaz.
Uma educação para o uso do telefone se faz cada dia
mais necessária.
Fonte: Folha de S. Paulo
Anna Verônica Mautner, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano
nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)
Edição: F.C.26.02.2013
1-
Assinale a alternava em que o trecho refere-se a um fato e não à opinião da
autora.
a)
“Se eu dou meu número para alguém para alguém, estou anunciando que sou
acessível”.
b)
“A partir daí, torno-me responsável por atende-lo”.
c)
“Quando ligo para alguém, imagino que vá me atender – senão, por que teria me
dado seu número?”
d)
“Há cinquenta anos, o telefone era uma raridade reservada para pessoas da
classe A. A linha era comprada a preço de ouro.”
2-
O título “Telefone, um inimigo necessário”
leva a crer que, segundo o ponto de vista da autora, a utilização do telefone
nos dias de hoje apresenta:
a)
aspectos negativos e positivos.
b)
aspectos negativos.
c)
aspectos positivos.
d)
desvantagens em relação ao uso no passado.
3-
Na opinião da autora:
a)
depois que o telefone celular foi inventado, tornou-se uma imposição atender o
telefone fixo.
b)
a telefonia transformou as relações interpessoais.
c)
os telefones expõem o consumidor, roubando-lhe a privacidade.
d)
atender ou não ao celular é uma questão de escolha, e as pessoas lidam bem com
essa opção.
4-
O texto apresenta:
a)
mais fatos que opiniões.
b)
apenas fatos.
c)
apenas opiniões.
d)
poucos fatos e muitas opiniões.
Gabarito:
1 – D
2 – A
3 – B
4 – D
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