GPS
Conheço pessoas
que não se deslocam mais à esquina para comprar pão sem que façam uso de GPS,
Google Maps e o escambau
Entrei no táxi
e falei o meu destino.
– Rua
Araribóia, por favor.
– Araribóia?
Espera um minuto!…– rebateu o homem.
Programou
então seu GPS e arrancou.
– Não precisa
de GPS, amigo. Sei mais ou menos onde fica. Posso lhe orientar.
– Ah, não. Não
saio mais de casa sem isto – declarou.
Resmunguei em
silêncio. E lá se foi o taxista seguindo seu brinquedinho falante – “vire à esquerda”;
“a 50 metros você vai virar à direita”; “daqui a 300 metros faça o retorno à
esquerda”…
De repente,
entre uma e outra prosa, vi ele se afastando da direção que eu julgava ser a
correta.
– Amigo, acho
que você está na direção contrária. Tinha que ter entrado naquela rua à
direita, melhor fazer o retorno na frente.
– Não, não,
olha aqui – apontou pra geringonça, orgulhoso como ele só. É esse mesmo o
caminho.
Cocei a cabeça
irritado. Embora eu não soubesse exatamente qual o trajeto a seguir, sabia que
aquele caminho que ele fazia era estupidamente mais longo e complexo.
Argumentei
mais uma vez, já na iminência de explodir.
– Moço,
desculpe, mas tenho quase certeza de que você está fazendo um caminho muito
mais longo do que devia.
– Não esquenta
a cabeça não, companheiro. Tá aqui no GPS, ó. Não vou discutir com a
tecnologia, né, amigo?
“Não vou
discutir com a tecnologia.” Sim, eu havia ouvido aquilo. E mais que uma frase
de efeito de um chofer de praça, aquilo era uma senha que explicava muita
coisa, talvez explicasse até toda uma época.
O
sujeito deixava de lado sua inteligência (se é que a tinha), a experiência de
anos perambulando a bordo do seu táxi pelas quebradas da cidade e o próprio
poder de dedução para seguir uma engenhoca surda e cega – mas
“tecnológica” – sem questioná-la, e sem que eu também pudesse fazê-lo.
Não quero
parecer um dinossauro (embora por vezes eu inevitavelmente pareça), mas sempre
defendi um uso inteligente, comedido e crítico dos apetrechos eletrônicos.
Conheço pessoas que, por comodidade, condicionamento ou deslumbramento com o
novo mundo cibernético, não se deslocam mais à esquina para comprar pão sem que
façam uso de GPS, Google Maps e o escambau.
Tenho um
sobrinho, um pensador irreverente de botequim, que gosta de dizer o
seguinte:
– As rodas de
bar ficaram muito chatas depois do iPhone. Ninguém mais pode ter dúvida alguma.
Se alguém perguntar: “como é o nome daquele cantor que cantava aquela música?”;
ou então: “quem era o centroavante da seleção de 86?”, logo algum bobo alegre
vai acessar a internet e buscar a resposta. E aí acabar com a graça, a mágica e
o mistério… Não sobra assunto pro próximo encontro.
Outro amigo,
filósofo de padaria, tem uma tese/profecia tenebrosa sobre o uso sem
critério dos tecnobreguetes: Diz ele:
– Num futuro
próximo, as pessoas deixarão de ter memória. Para que lembrar, se tudo caberá
num HD externo?
É. Faz
bastante sentido a tese do meu amigo. Aliás, há tempos não o vejo, o… o… Como é
mesmo o nome dele, gente? Aníbal, não. Átila, não… É um nome assim, meio
histórico… Desculpem aí, vou ter que espiar na agenda do meu celular.
(BALEIRO, Zeca. Revista IstoÉ. n.2163, 27
abr. 2011. P. 114.)
Dedução: conclusão, inferência
.
Irreverente: debochado.
Tenebroso: terrível, medroso.
HD: sigla de Hard Disk(disco
rígido), no qual ficam armazenados as informações de um computador.
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